quarta-feira, 29 de abril de 2009

Cogitando o passado V

Há pouco, num encontro ocasional, dizia à minha amiga Lídia que iria relembrar uma estrofe de Camões que guardo desde os tempos do liceu e nunca me cansei de a recitar em encontro de amigos. Trata-se do melhor e mais fino humor que conheço e, se pensarmos que foi escrita no séc. XVI, mais deslumbrante se torna.

Criado que ficou o suspense, por agora, vou apenas aproveitar o tempo de festejo da liberdade que emana de Abril, para divagar sobre uma das formas como aquela se pôde exteriorizar, ainda em Camões. É que, de forma breve, também falámos de liberdade. Então, à minha mente, veio a ainda próxima censura do Estado Novo, ou a mais longínqua do Pretório da Santa Inquisição em cujo contexto, Frei Bartolomeu Ferreira, censor do Santo Ofício, redigiu o parecer que deu luz verde à publicação dos Lusíadas.
O Censor conheceu versos de luxúria, os roxos lírios de Vénus, o incontido desejo sexual de Júpiter, a bela Tétis, as musas, sereias e tágides:

Vestida üa camisa preciosa
Trazia, de delgada beatilha,
Que o corpo cristalino deixa ver-se,
Que tanto bem não é para esconder-se.
(Canto VI, 21)

Sigamos estas deusas e vejamos
Se fantásticas são, se verdadeiras!
Isto dito, velozes como gamos,
Se lançam a correr pelas ribeiras...
(Canto IX, 70)

No fim, tudo lido e ponderado, concluiu: Vi por mandado da santa & geral inquisição estes dez Cantos dos Lusiadas de Luis de Camões, dos valerosos feitos em armas que os Portugueses fizerão em Asia & Europa, e não achey nelles cousa algua escandalosa nem contrária â fe & bõs custumes...”
Ficou como um exemplo de visão de futuro, verticalidade e liberdade de determinação, realçada pelo contexto histórico em que foi proferida. Frei Bartolomeu, apenas perante tanto politeísmo pagão limitou-se a advertir e explicar: isto he Poesia & fingimento (...) e por isso me pareceo o liuro de se imprimir. “

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Abril com a Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam
como estas árvores que gritam
em bebedeiras de azul.
(...)
Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida
que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança.
(António Gedeão - http://www.youtube.com/watch?v=WRFhuKWLDeM)

sábado, 18 de abril de 2009

Vencer a apatia

"O optimista vê uma oportunidade em cada perigo; o pessimista vê perigo em cada oportunidade". Winston Churchill

2º Dia da Conferência Internacional... infelizmente teve de ter um fim

O segundo dia da Conferência Internacional - Novos Desafios Educativos e Cidadania Social teve início com o discurso do padre libanês Georges Hobeika (realmente uma pessoa excepcional) que reforçou a ideia da tolerância para com o outro, para com o nosso próprio ser e muito interessante na perspectiva de todos os presentes, da tolerância com "o direito à diferença".
A professora Helena Gonçalves da UCP do Porto alertou-nos para a importância da interdependência dos sistemas (Sociedade civil, Estado, Mercado), para a relevância das parcerias destas três áreas mas sobretudo para o desempenho das empresas para a sustenbilidade mundial.
"Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito."
Aristóteles
O professor Bart Mac Gettrick da Liverpool Hope University deixou-nos esta ideia fabuloso como reflexão: "procurar Deus através da cultura; na educação o primordial é «pensar» e só depois «aprender/ensinar»."
Os presentes ouviram ainda: Adalberto Dias de Carvalho do Instituto de Filosofia do Porto; Hoda Nehmé da Université Saint-Esprit de Kaslik do Líbano (uma palavra muito especial de apreço por esta professora); Roberto da Silva da Universidade de São Paulo do Brasil; Fernanda Cachada da UCP do Porto; François-Xavier Hubert do Institut Catholique de Paris; Marian Noak da Université Catholique de Lublin da Polonia.
Foram dois dias de intenso trabalho, realmente gratificantes e enriquecedores. Vou deixar-vos com mais duas reflexões muito pertinentes na nossa sociedade.
"Como educar nas Universidades e Escolas Católicas, nos dias de hoje?"
"Formando e educando homens e mulheres responsavéis pela Humanidade e pelas suas sociedades. A Educação Católica, não se pode reduzir somente à evangilização; deve formar cidadãos para viverem em sociedade com dignidade e com valores."

Monseigneur Guy-Réal Thivierge, Presidente da FIUC (Fédération Internacional des Universités Catholiques)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Novos Desafios Educativos e Cidadania Social

"O acontecimento é o resultado de um encontro. Mas nós temos medo do acontecimento. Medo da Mudança, medo do futuro, medo do julgamento dos outros, medo de não sermos capazes. Medo de não estar à altura do acontecimento."
José Gil (2004)
"A liberdade não se realiza fora das instituições sociais e políticas, que lhe abrem o acesso como o ar fresco necessário ao seu desbrochar, à sua respiração e mesmo, talvez, à sua geração espontânea."
Emmanuel Lévinas (1992)
Foi com estas duas citações que a Professora Doutora Isabel Baptista deu início à Conferência Internacional: Novos Desafios Educativos e Cidadania Social. A sua comunicação baseou-se na educabilidade e laço social, em que reforçou que na sociedade actual sofremos "de um excesso de fragmentação, separatismo e segregação social" mas que devemos trabalhar de "coração aberto", com partilha e dádiva, expondo-nos e desejando uma verdadeira comunidade de modo a "acontecer a verdadeira solidariedade".
No Colóquio sobre Hospitalidade que decorreu em Fevereiro, já tinha introduzido o conceito de "vampirismo social"; agora acrescentou que este "prende-se com um tipo de apropriação abusiva ou uso impróprio de verdades produzidas por outros sujeitos da narrativa, em função dos «apetites de alteridade» indiferentes à dignidade ontológica e cada ser".
"O que é feito da «palavra de honra» e da confiança atestada na franqueza de um parto de mão ou através de um sorriso cúmplice? O que poderemos fazer para contrariar este tipo de condutas parasitas e vampíricas que, envenenando a vida social, hipotecam a posibilidade de relação efectivamente solidária?"
A conclusão da palestrante é muito simples e clara: "proximidade" e "justiça"...
Tivemos também o prazer de ouvir as comunicações deveras interessantes de: Mariana Barbosa da UCP do Porto; Milena Santerini da UC del Sacro Cuero de Milano de Itália; Ana Sofia Azevedo e Paulo Magalhães da UCP do Porto; Peter Reyskens da Katholicke Universiteit Leuven da Bélgica; Jorge Lucas da Universidad Pontificia Comillas de Madrid e Bertrand Berger da Université Catholique de l' Ouest de França.
"A missão da educação é contribuir para que cada ser humano aprenda e assuma a condição humana, aprenda a viver com os outros, a tornar-se cidadão, pleno de direitos e de deveres, membro de uma comunidade. É aí, na comunidade, que cada um é chamado a ser solidário e responsável. É neste contexto que se inscreve a «aprendizagem social»."
Joaquim Azevedo (2007)

Palestina versus Israel

Um exemplo engenhoso do discurso e da política, acerca da posse da Palestina, conta-se que ocorreu na Assembleia das Nações Unidas e terá feito a comunidade sorrir.
O representante de Palestina no uso da palavra:
“- Antes de começar a minha intervenção, quero dizer-lhes algo sobre Moisés. Quando ele partiu a rocha e inundou tudo de água, pensou, 'que oportunidade boa de tomar um banho!' Tirou então a roupa, colocou-a ao lado sobre a rocha e entrou na água. Quando saiu e quis vestir-se, a roupa tinha desaparecido. Um Israelita tinha-a roubado.

O representante Israelita saltou furioso e disse:
- Que é que você está a dizer? Os Israelitas não estavam lá nessa altura.
O representante Palestiniano sorriu e disse:
- E agora que se tornou tudo claro, vou começar o meu discurso.”'


[Claro que há quem considere a história apócrifa na qual o representante Israelita não cairia por mais arquétipo da estupidez que fosse. E por outro lado, com Moisés estariam muitos judeus, mas não israletitas nem palestinianos. Seja como for, entrou no anedotário.]

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Mais Eça em diálogo com A. Campos Matos

Eça foi, sem dúvida, um homem do seu tempo, atento a tudo o que se passava no seu país e no resto da Europa. Homem observador e crítico que não poupou ninguém e se destacou pela sua personalidade ímpar numa época de transformações sociais, filosóficas, económicas e políticas. Foi ao folhear a obra de A. Campos Matos que descobri mais facetas deste vulto da nossa literatura, numa entrevista ficcionada, mas fundamentada e que me leva a transcrever alguns excertos bem pertinentes do nosso Eça, a propósito dos artigos agora inseridos. "Uma nação vale pelos seus sábios, pelas suas escolas, pelos seus génios, pela sua literatura, pelos seus exploradores científicos, pelos seus artistas. Hoje, a superioridade é de quem mais pensa; antigamente era de quem mais podia; ensaiavam-se então os músculos como já se ensaiavam as ideias (E.Q., 31/01/1867)".
Mais adiante, numa das questões colocadas pelo "entrevistador" acerca da política, Eça responde: "Constitucionais, Socialistas, Miguelistas e Jacobinos, de resto, para mim, como romancista, são todos produtos sociais, bons para a Arte, quando são todos igualmente explicáveis, todos igualmente interessantes. O dever do artista é estudá-los, como o botânico estuda as plantas, sem se importar que seja a beladona ou a batata, que envenene ou nutra... Nada há mais ruidoso, e que mais vivamnete se saracoteie com um brilho de lantejoulas - do que a Política. Por toda essa antiga Europa Real, se vêem multidões de politiquetes e de politicões enflorados, emplumados, atordoadores, cacarejando infernalmente, de crista alta (p.147)."
Isilda

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Ainda as crises

Eça também questionou as sociedades que conheceu, em especial a lisboeta. Preocupou-se, com a qualidade de vida das diferentes classes sociais e o conformismo social e político. Toda a sua obra está pejada de sátira.

Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, cita Eça no seu discurso (SPEECH/06/283, Comemorações do dia 9 de Maio, Centro Cultural de Belém, 8 Maio 2006):
“Num artigo publicado n’ O Repórter, dizia Eça de Queiroz: “A crise é a condição quase regular da Europa (…) todos sofrem de uma crise industrial, de uma crise agrícola, de uma crise política, de uma crise social, de uma crise moral (…) a situação da Europa é medonha. Sob as crises que a sacodem, já a máquina se desconjunta. Nada pode deter o incomparável desastre, que todavia, no fundo a situação é simplesmente normal. Natural e normal.”.

Crises ! Económicas! Sociais!

A crise económica mundial, a desregulação dos mercados, as vantagens principescas dos gestores das instituições financeiras apontados como responsáveis pelos empolamentos ficcionados dos produtos e lucros, com a imoral distribuição de dividendos, como sucedeu recentemente com dinheiros dos contribuintes norte-americanos que se destinariam a evitar a falência, são exemplos, entre muitos, que levam as populações a esconjurar os políticos e as suas opções.

O poder de compra das famílias, de forma geral, associado à boa ou má performance das empresas e da criação de riqueza por uma nação, tem baixado drasticamente, provocando mudanças bruscas de hábitos e consumos e colocando em crise compromissos por elas assumidos. Este cenário agrava-se, significativamente, como é fácil de inferir, com a situação desemprego, pois aí em vez de redução do ganho, passa a viver-se de subsídios ou do amealhado, havendo-o.
Nestas alturas, tudo se questiona, a bondade das políticas seguidas até aí, as medidas que se estão a tomar para superar ou menorizar a crise, a Ordem monetária e económica mundial, o poder das nações e Estados. É a dicotomia Norte e Sul, povos ricos e pobres, Estados produtores e detentores da matéria-prima, a nível planetário, ou de classe social num contexto mais restrito. Ou noutro contexto próximo, a existência de espaços de livre circulação, como Schengen, em contraponto às barreiras que no Norte de África impedem o acesso à Europa. Tudo, dizem vozes escutadas, pode levar à proliferação de gritos de revolta, fazendo juz ao brocardo: “em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.

É, por isso, sem mais comentários, que reproduzimos o extracto, sempre actual, de Viagens na minha Terra:

“E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?
- Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.
Almeida Garrett, in 'Viagens na minha Terra'”

E, ainda noutro registo, não menos sarcástico, de Guerra Junqueiro:

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, (…) um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, (…)”
Guerra Junqueiro, Pátria, 1896

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Mia Couto e o Fantástico


Não podíamos deixar de dar conta da recente apresentação da obra de António Martins "O Fantástico nos contos de Mia Couto".
E não podiamos deixar de o fazer pela proximidade dos intervenientes, desde logo o amigo António Martins, autor da obra, dedicado estudioso de Mia Couto e, depois, as lindas apresentadores da obra, Lídia Valadares e Isilda Lourenço Afonso, que o fizeram com tanta excelência e de forma tão cativante num permanente jogo de palavras, que o articulista infra (outro vulto da escrita e exímio esgrimador das palavras) as apelidou de "tenistas" num jogo de alta competição, tal a agilidade com que permutavam o entusiasmo na explicação da obra, do labor do autor António Martins e da riqueza linguística e semântica de Mia Couto. Exibiram de forma encantadora o "'escritor da terra" e a sua expressão absolutamente única e originalíssima, que descreve as próprias raízes do mundo, explorando a natureza humana na sua relação umbilical com a terra.
A apresentação, contou ainda com uma genial declamação de Adriano Guerra do conto em análise, que cativou toda a assistência que enchia o salão.
A sessão decorreu no salão nobre dos Paços do Concelho de Lamego, no pretérito dia 28 de Março, com uma assistência digna de registo.
(Imagem, Jornal do Douro, de 1 de Abril de 2009)



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