Uniões de facto: o que se pretende?
“O veto do Presidente suscitou as mais diversas teses conspiratórias e as interpretações “mais” distorcidas. Os que inscrevem este veto num quadro valorativo ideológico e (ou) religioso, e os que num discurso de luto lamurioso fazem tábua rasa do conteúdo da nota presidencial que exprime não só o reconhecimento da necessidade de aperfeiçoamento do regime jurídico das uniões de facto, como pressupõe que o próximo legislador - qualquer que ele seja - recuperará, em melhores condições, o processo de revisão da actual lei no quadro de uma discussão aprofundada.
“O veto do Presidente suscitou as mais diversas teses conspiratórias e as interpretações “mais” distorcidas. Os que inscrevem este veto num quadro valorativo ideológico e (ou) religioso, e os que num discurso de luto lamurioso fazem tábua rasa do conteúdo da nota presidencial que exprime não só o reconhecimento da necessidade de aperfeiçoamento do regime jurídico das uniões de facto, como pressupõe que o próximo legislador - qualquer que ele seja - recuperará, em melhores condições, o processo de revisão da actual lei no quadro de uma discussão aprofundada.
A questão fulcral, como todos entenderam, assenta na opção do legislador de aproximar o regime jurídico das uniões de facto do regime jurídico do casamento.
Esta opção pode, por si só, comprometer as opções individuais daqueles que, não querendo contrair matrimónio, optam por uma união de facto e que, por isso mesmo, podem não ter interesse ou não ver vantagem em serem espartilhados por um regime jurídico que não corresponde à sua intenção.
O que está em causa não é de somenos já que se trata de preservar a liberdade de escolha no âmbito da esfera privada de cada um. Pode o Estado sobrepor-se a isso?
Por um lado, do alto do seu cadeirão, o poder constituído legisla indiferente à realidade social e sociológica que o rodeia, alheio aos anseios e legítimos interesses dos cidadãos e distante dos que têm por função aplicar a lei. O poder parlamentar sobrepõe-se ao valor da certeza e segurança jurídica.
Por outro, verifica-se uma crescente invasão da esfera privada dos cidadãos. O Estado quer hoje tomar conta de todos e cada um de nós: dos nossos casamentos, dos nossos divórcios, das nossas uniões de facto, das nossas famílias, da educação dos nossos filhos e até da quantidade de sal em cada carcaça que comemos. É uma ameaça crescente às liberdades individuais e cívicas em nome das boas intenções que enchem o inferno e da legitimação de uma ditadura do pensamento único.
Isto sim, é perigosamente ideológico. O que me leva a ter saudades do "é proibido proibir" do remoto Maio de 68 que era bem melhor. Seria então proibido proibir as famílias e os cônjuges de serem o que são, e proibido proibir os que vivem em união de facto de serem o que querem ser. Aliás, parece-me que ninguém pediu o contrário. Quando muito, e justamente, o direito à diferença.”
Temos em Portugal, o casamento religioso e o casamento civil, ambos com idêntico regime jurídico (excluindo questões subjectivas do foro religioso, afinal, os que os distingue é a efémera formalidade da forma de o contrair). Temos depois a união de facto, para quem não pretenderia ficar vinculado àquele regime jurídico (parece-me de somenos, que seja só evitar uma ida ao Registo Civil). Caminhando o legislador para a total equiparação de direitos, nestes três tipos de relação jurídica, o que ficaria para os distinguir? (para dois primeiros, manter-se-á apenas a crença) E o que restaria de liberdade para quem querendo viver a dois, não pretenda vínculos jurídicos semelhantes ao daqueles?