segunda-feira, 16 de março de 2009

Julgamento triplo

Aflição e angústia sentimentos do ser humano

A notícia correu célere em toda a comunicação social, tinha acabado por morrer uma criança que havia ficado esquecida dentro de uma viatura. Ao sol, a bebé tinha desidratado e falecido.
Este acontecimento deve fazer-nos interrogar sobre que sociedade é esta que nos escraviza e domina ao ponto de nos fazer subverter desta maneira prioridades absolutas. Que sociedade é esta que tem colocado, por inúmeras vezes, o emprego e a carreira profissional à frente de tantas outras coisas de ordem social, pessoal e até íntima. Tantas vezes ouvimos figuras públicas proclamar, em alto e bom som, e com toda a naturalidade, que não podiam, naquela altura casar, ter filhos ou dar a assistência que o pai ou a mãe reclamavam, pois a carreira exigia-lhe toda a entrega e consumia-lhe todo o seu esforço e tempo.

Claro que no acidente sub judice nada nos leva a pensar que tenha sido algo parecido com aquela actuação e a errada ordenação de valores que tenha estado na sua origem. [Fala-se num primo afastado do senhor Alzheimer que por ali passando impôs o esquecimento, a homem ainda moço]. Terá sido.

Seja como for, o sofrimento do pai e da mãe merecem-nos a nossa compaixão, respeito e até solidariedade, pois muito deve ser o desgosto e atroz o tormento do pai que se sente culpado na morte do seu filho querido. Muitas vezes se terá arrependido de ter saído de casa nesse dia, de não ter parado no infantário, de não ter destinado mais tempo ao seu bebé, muitas vezes terá batido no peito suplicando perdão. Muitas irão ser as noites sem dormir atormentado por uma culpa que a sua consciência lhe não vai dar tréguas. Vai ser o seu grande e primeiro julgamento, o da sua própria consciência que lhe imporá pena bem pesada e lhe trará consequências para toda a sua vida individual e familiar. Interrogo-me como será, doravante, a relação com a mãe da criança, com a lembrança sempre constante e a pairar em todos os actos do casal. Lembrarem-se que tiveram um filho que morreu bebé, será motivo de sofrimento, mas recordar os contornos em que o foi, será de uma dimensão tal, que não o conseguimos adivinhar.

Àquele julgamento, soma-se o da praça e opinião pública, até ao da mais pequena tertúlia de vizinhos ou amigos. A condenação também aí já é certa e continuará a sê-lo, pois não há contenção verbal nas massas que se comportam, nestes casos ou de similitude próxima, como herdeiros sedentos da barbárie do circo romano, e os próprios jornalistas correram também a atirar a primeira pedra, sem prévia auscultação e reflexão sobre a caixa de Pandora que abriam.

Por último, à agonia, aflição e desgosto do pai e daquela família, somar-se-á, inelutavelmente, o da aplicação da justiça dos homens e, pelo que veio publicado nos jornais, o Ministério Público irá acusar o pai por homicídio por negligência, que no caso de grosseira, tem o seu limite em 5 anos de prisão.

Não é nem foi minha pretensão julgar, condenando ou absolvendo, mas deixar apenas algumas considerações de cariz humano, sendo certo que todas aquelas justiças se estão e vão cumprir, cada qual, no seu tempo próprio. Contudo, não posso deixar de dizer de forma vincada que reprovo veementemente o esquecimento e o que o poderá ter originado, mas com a mesma veemência, dizer que são muitos castigos para um homem e cada qual o mais gravoso. Por mim, perfilar-me-ia como Egas Moniz, penitenciando-me, se o castigo maior e profundo não estiver já a ser sofrido.

4 comentários:

  1. Muito obrigado pela visita e pelas palavras.
    A clareza de ideias e a variedade dos temas tratados atrairam-me no blog. Também voltarei, com mais calma.

    um abraço

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  2. Manuel:

    Quando se misturam alguns ingredientes, a mistura é francamente explosiva!
    Quando se juntam cultura, sensibilidade, bom senso, organização do raciocínio, clareza de ideias, uma excelente expressão escrita... o resultado é este: um artigo excepcional (e não utilizo este adjectivo gratuitamente,é mesmo com a acepção de excepção)! Explosivo, porque faz brotar uma multiplicidade de emoções, reacções e reflexões...
    Precisávamos de mais reflexões como esta para nos obrigar a ponderar os nossos julgamentos fáceis, ter uma visão mais abrangente das situações, capaz de sopesar diversos factos, em simultâneo. Talvez tivéssemos uma sociedade diferente!
    Está excelente, Manuel! Obrigada, por me fazeres reflectir desta forma.
    Um abraço.

    Lídia Valadares

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  3. Agradeço ao JMV a visita e as palavras simpáticas, e desde já lhe peço que me perdoe se num ou noutro artigo onde se cruze a história, não tenha a precisão que um especialista, como é o seu caso, o exigiria.
    Para a minha querida amiga Lídia, apenas singelamente dizer que "não havia necessidade" para tanta adjectivação, escolhida com o coração. Obrigado.

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  4. ola bom dia,
    Obrigado por a relexao, meditar e emoçoes fa parte da vida dos seres humanos com todo o que se vive e tenemos que viver, por isso e preciso saber viver e a cultura e aprender quando somos meninos ajuda muito a homem maduro.
    pido disculpa por meu portugues ruim..
    feliz fim de semana
    abraços

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